domingo, 15 de maio de 2011

Quando a bola rola e o homem não cresce


Por Josias Pereira

Há um pouco mais de um ano resolvi escrever algo sobre o futebol. O tempo era propício. A Copa do Mundo sempre é um evento que captura as pessoas, um espetáculo de técnica, imagens que transformam este esporte que arrebata as massas em um balé clássico de movimentos imprecisos e ao mesmo tempo tão racionais que encantam os olhos vidrados destas pequenas crianças, com seus tênis sujos, camisas meio surradas, a segurar uma bola de futebol enquanto se maravilham com os grandes craques a desfilarem pelos gramados e estádios luxuosos.

O futebol tem esta característica impensada. Reúne ricos e pobres com uma serenidade sem igual. Todos se transformam quando a bola rola, tornam-se em um só a gritar impulsivamente, tresloucadamente. No momento alto da adrenalina, os suspiros são os mesmos, acompanhado dos gestos, das mãos que se vão a face, com a explosão do coração que quase pula garganta a fora quando o jogador afamado perde a oportunidade de marcar um tento incrível. Naquele momento único de glória, o ser humano vive sua experiência única em sociedade. Quantas vezes eu não cumprimentei com profusão uma pessoa que jamais vi após um gol. Nada mais nos importa quando aquele momento chega e envoltos em um misto de sentimentos que perpassam desde o inferno até o céu, a alegria que invade o peito transborda em gritos, exaltação!

Certa feita, George Orwell, autor de grandes obras primas da literatura, como "1984" e "Revolução dos bichos", disse que o esporte é uma guerra sem armas, opinião mais que coerente. Os gramados de futebol são os campos de batalha modernos e, talvez aprenderíamos a ser mais pacíficos se nossas desavenças se limitassem apenas as quatro linhas rebuscadas com o cal. Conflitos poderiam ser evitados se a única rivalidade que existisse em nossa alma fosse a simplicidade daqueles 90 minutos em que 22 atletas correm atrás de um objeto esférico, para lá e para cá, em ritmos compassados, outra hora inflamados pelo grito que ecoa das arquibancadas. Tudo seria mais simples, porque quando o árbitro apitasse o fim daquele duelo de titãs voltaríamos para o nosso mundo sereno. Mas a vida não é uma partida de futebol.

Deve ser por este motivo, que vários jogadores não sabem o momento de se aposentar. A vida vai exigir algo que eles não terão jamais capacidade de retornar em obras. No fundo, todos os jogadores são crianças, mais infantis e simplórias que qualquer outro garoto de oito anos descalço pelas ruas deste país ou até mesmo do mundo a correr. Muitas vezes não entendemos as ações tão estapafúrdias destes ícones do sucesso, mas nunca procuramos entender como a fama tão rápida destoa da infância surrada e sem perspectiva. Estes garotos são a construção dos herois modernos, herois com um externo viril e uma mente débil. Intempestiva como é, a mídia cobra dos mesmos exemplos, mas em quem estes jogadores se espelham? A única coisa que importa a eles é a bola. É nela que eles depositam suas esperanças. É um objeto sagrado, adornado e venerado!

Naquele curto espaço de tempo, eles se encontram e fazem aquilo que mais sabem, dão continuidade a sua infância. Lá eles não tem a mídia, até porque mesmo com as milhares de câmeras a fitá-lo, o seu coração é indomável. Deve ser por isto, que vários deles não gostam das substituições, aquelas intervenções que o técnico costuma promover. Eles não aceitam que outros possam ser melhores do que eles, tem uma inveja infantil, se sentem os donos da bola. Quando o tempo vai passando, e o cansaço se apodera deles, se sentem pela primeira vez impotentes. Aí sim, eles começam a entender que a infância e o sonho estão se acabando. Em uma desesperada tentativa, eles firmam seus pés, correm, se recondicionam fisicamente. Com um pouco de sorte, angariam mais um, dois, três anos nos gramados. Todavia, as pernas não mais acompanham a mente sempre ávida, porque é claro, um jogador pode perder sua velocidade, mas jamais perde a genialidade da mente. E é assim, que eles lentamente se reclinam, pensam, ponderam, tentam crescer, e suspiram. Nesta hora, o juiz do inconsciente, o juiz do cansaço, o juiz chamado vida apita e do espírito de "Peter Pan" o jogador se libera, entretanto seu corpo continuará a galgar a "Terra do Nunca" chamado gramado, porque nada de bom ele sabe fazer mais do aquela paixão que sempre dominou sua alma. Jogadores de futebol são eternas crianças e é estranho imaginar que crianças sejam nossos ídolos e herois. Talvez, porque como dizia o jornalista esportivo Howard Cossell, o esporte seja a seção de briquedos da vida.


De todas as coisas que guardamos do tempo infantil, o futebol é uma das únicas que subsiste. Este esporte é imortal. Passa de geração a geração, de pai para filho, é uma corrente que nos mantém ligados a este estado puro de simbiose familiar e social, é a única ponte entre a infância travessa e cheia de aventuras que deixamos para trás. São nas pequenas vielas das ruas, com os pés descalços e o cimento do asfalto, ou então os campos de terra batidos, que as crianças aprendem mais sobre o mundo do que nos noticiários. Aquilo é arbitrário e penoso demais. Talvez se você questionar a um garoto o que ele entendeu de um Telejornal, ele possivelmente dirá "nada", com um tom bem séquido. Ele não o faz por mal, é muito mais prazeroso saber que na vida você cai e depois se levanta após perder um gol face a face com o goleiro e cinco minutos depois estufar as redes e levar seu time à vitória. Em um campo de futebol não falta nada, desde a solidão do goleiro a proteger sua meta, até a popularidade do camisa 9 incontestável.


O futebol é assim. Ensina você a superar seus medos. Molda seu caráter, seleciona e aponta seus defeitos, exacerba suas qualidades e te faz continuar criança mesmo após anos e anos de existência. Você vai perceber isso! Tudo em sua vida pode mudar, menos aqueles gestos apreendidos na infância, crescemos em externo, mas em algum lugar da nossa memória, o ser torcedor jamais morre. É por isso que veneramos nossos craques, nossos herois. Eles são a representação de tudo que um dia queríamos ser, mas a vida nos chamou mais cedo para crescer. Que bom que ela nos deixou um alento, que bom que ela nos deixou o futebol...